quinta-feira, maio 15, 2008

Um Lobo da escrita..

"Perguntas sobre perguntas acerca de mim mesmo e a angústia do sentido da vida e da forma como me relaciono com ela. O que posso fazer, o que devo fazer? Há um livro a sair agora, trabalho noutro: e depois? Que significa isso para mim? Os meus defeitos aparecem-me de forma muito clara e dolorosa. Não só os meus defeitos: as minhas insuficiências, os meus erros. Sempre imaginei que um livro resgatava tudo: não resgata. E no entanto continuo a escrever, como se esse acto contivesse em si a minha salvação. Sei bem que chegará um tempo em que apenas os livros hão-de contar porque eu, enquanto pessoa, não tenho importância alguma, às vezes nem para mim mesmo. Vou-me olhando de forma cada vez mais distanciada e sem indulgência. A impressão, melhor: a certeza de haver falhado. O quê? Não estou deprimido, não me sobra tempo para depressões, sou apenas um homem, diante do seu espelho interior, que não gosta do que vê. O que poderia ter feito? O que deveria ter feito? Esta permanente tortura que a gente disfarça. A ideia recorrente que aquilo, quer dizer que a única coisa que a vida nos dá é um certo conhecimento dela que chega tarde demais, sempre tarde demais. Grandes cães pretos que se entredevoram dentro de mim. Estas crónicas têm-se tornado, cada vez mais, um itinerário paralelo aos livros. Do ponto de vista da Arte recebi muito mais do que poderia ter desejado e no entanto trago as mãos vazias. Agora dei duas entrevistas, coisa que nunca deveria ter feito. Não ponho em causa a competência ou a honestidade dos jornalistas mas não me revejo em nada daquilo. Não sou assim e não sou capaz de exprimir o que sou. Os livros falam muito melhor do que eu.

O que aparece nos jornais é um estranho e até as fotografias são mentira porque não me pareço comigo. Acho-me cansado desses jogos. Apetece-me desaparecer atrás das palavras, ser de facto o ninguém que sou: um nome apenas, numa capa. E deixar o resto para mim, dado que não tem nenhuma importância colectiva.

Agora é manhã e está sol. Nenhum ruído à minha volta. Se eu pudesse passar a vida a limpo, como diz o Drummond, corrigia quase tudo. Que pena não podermos emendar os dias, o que fizemos, o que somos. Um demónio qualquer distorceu-me tudo ou fui eu quem distorceu tudo? Acabando esta crónica retomo a correcção do livro na esperança de, ao emendá-lo, emendar-me. Fui sempre honesto a escrever. E nas outras coisas?(..)".

António Lobo Antunes

2 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Sem dúvida...um lobo da escrita que vale por uma alcateia inteira :-)

Caro Rainbow Warrior
Agradecia que, na medida do possível, pudesses divulgar entre bloggers e outros amigos a aventura BTT que está em "gestação" para a Via Algarviana - entre o Sotavento e o Barlavento Algarvio Alcoutim/Cabo S.Vicente - em datas a anunciar para o próximo Verão 2008.
Vide em .:

http://sol.sapo.pt/blogs/bluewater68/archive/2008/05/15/Via-Algarviana.aspx

Grato pela colaboração

6:30 da tarde  
Blogger Jaqueline Sales disse...

Profundo, sensível, mas triste; triste como são, aparentemente, os caminhos de quem quer se encontrar.

Te deixo o colorido da vida, a refrescância das brumas da praia, o canto dos pássaros silvestres, o brilho intenso do Sol, o cintilar mais intenso das estrelas do ceu, o mais belo Uivoooooooooooooo que possuo.

BeijUivooooooooooosssssss da Loba

11:07 da tarde  

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