domingo, janeiro 15, 2006

Nossa Amazónia

Num espaço irmão, o desambientado (desambientado.blogspot.com) levanta a questão da internacionalização da Amazónia. Pensei e procurei informação sobre o assunto. A resposta essa não a encontrei. Mas encontrei esta maravilhosa carta de Seattle, chefe índio dos Duwamish, escrita em 1855, para o então Presidente dos Estados Unidos Franklin Pierce, como resposta à sua intenção de compra das terras onde habitava a sua tribo. Acho que quem quiser realmente ajudar a Amazónia terá de entender esta forma de pensar. Terá de a sentir. De sentir o que ele sentiu...a terra como sua filha, sua irmã, sua mãe. Nada mais.

"O Grande Chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra. O Grande Chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa da nossa amizade.Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O Grande Chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas - elas nunca empalidecem.Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha.Se não somos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha reluzente de pinheiro,cada praia arenosa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.O homem branco esquece a sua terra natal, quando, depois de morto vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos das campinas, o calor que emana do corpo de um mustang, o homem - todos pertencem à mesma família. Portanto quando o Grande Chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, não. Porque esta terra é para nós sagrada.
Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendemos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar da água é a voz do pai de meu pai. Os rios são irmãos, eles apagam nossa sede.Os rios transportam nossas cargas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mais sim sua inimiga, e depois de a conquistar, elevai embora. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e nem se importa.Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa.Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mão - a terra, e seu irmão - o céu, como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante.
Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto:Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um insecto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende.O barulho parece insultar os ouvidos.E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo?Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento,purificado por uma chuva do meio-dia,ou recendendo o pinheiro.O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem. O homem branco parece não perceber o ar que respira.Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós,que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida,também recebe seu último suspiro. E se te vendermos a nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado coma fragrânciadas flores campestres.
Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: O homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do queo bisão que nós, os índios, matamos apenas para o sustento de nossa vida.O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais logo acontece ao homem.Tudo está relacionado entre si. Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de teus pés são as cinzas de nossos antepassados. Para que tenham respeito ao país,conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra fere os filhos da terra.Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios. De uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem, é o homem que pertence à terra.Disto temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama de vida: ele é meramente um fio da mesma.Tudo que ele fizer à trama, a si próprio fará.
Nem o próprio homem branco pode escapar ao destino comum. Apesar de tudo talvez sejamos irmãos, veremos. Mas, nós sabemos uma coisa, que o homem branco talvez venha a descobrir um dia, o nosso Deus é o mesmo Deus. Ele é o Deus dos homens e a Sua misericórdia é a mesma para o homem de pele vermelha e para o homem branco. A terra é preciosa aos olhos de Deus e quem ofende a terra cobre o seu criador de desprezo. O homem branco perecerá também e, quem sabe, antes de outras tribos. Continuem a macular o vosso leito e irão sufocar nos vossos desperdícios.
Mas na vossa perdição brilhareis em chamas ofuscantes acendidas pelo poder de Deus que vos conduziu e que, por desígnios só por Ele conhecidos, vos deu poder sobre estas terras e sobre o homem de pele vermelha. Este destino é para nós um mistério. Não o compreendemos quando os búfalos são massacrados, os cavalos selvagens subjugados, os recantos secretos das florestas ficam impregnados do odor de muitos homens e as colinas desfiguradas pelos fios falantes. Onde está a floresta virgem? Desapareceu. Onde está a águia? Morreu. Qual o significado de abandonar os póneis e a caça? É parar de viver e começar a vegetar.
É nestas condições que vamos considerar a oferta da compra das nossas terras. E se aceitarmos será apenas para ficarmos seguros de recebermos a reserva que nos prometeram. Talvez aí possamos acabar os nossos dias e quando o último homem de pele vermelha tiver desaparecido desta terra, e a sua recordação não for mais do que a sombra de uma núvem deslizando na pradaria, estes lugares e estas florestas abrigarão ainda os espíritos do meu povo. Assim se vendermos as nossas terras amai-as como as temos amado e cuidai delas como nós cuidámos. E com toda a vossa força e o vosso poder conservem-na para os teus filhos e amem-na como Deus nos ama a todos.
Sabemos uma coisa: o nosso Deus é o mesmo Deus. Ele ama esta terra. O próprio homem branco não pode fugir ao mesmo destino. Talvez sejamos irmãos, veremos."

2 Comentários:

Blogger Desambientado disse...

Lindo.

Da minha parte, obrigado.

10:39 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Seria bom todos aprendermos com a sabedoria e os sentimentos puros que estes selvagens transmitem.

8:50 da manhã  

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